01/13/22 em Para ler

#euquerotrabalhar. Será?

Hoje eu vi uma foto de uma carreata comemorando o fim da quarentena. Era em Curitiba (PR). No vídeo, não há data, mas é possível ver uma pessoa gritando, de dentro do carro, algo como “queremos trabalhar” ou “me deixe trabalhar”.

Mais bem documentada foi a notícia de uma carreata ontem à noite em Balneário  Camboriú (SC), indicando data do retorno do comércio (próxima quinta-feira), nome do responsável (Gov. Carlos Moisés) e sua filiação partidária (PSL).

O Gov. do Distrito Federal afirmou que vai flexibilizar o isolamento social.

O Gov. de Roraima afirma que o estado não poder ser igual São Paulo (?) e que decidiu liberar o comércio.

Ouço comentário de uma amiga minha dizendo que o clima em Salvador (BA) é de gente querendo ir trabalhar.

Buzinaços aconteceram ou estão marcados para acontecer em Belo Horizonte (MG), Campos dos Goytacazes (RJ), Maringá (PR), Campo Grande e Dourados (MS), Goiânia (GO), Recife (PE), Porto Alegre (RS), Ribeirão Preto, Mirassol e São José do Rio Preto (SP).

Rapaz, que coisa bonita esse monte de brasileiro querendo trabalhar, não? É gente que quer não só trabalhar, mas trabalhar e pagar salário decente aos seus empregados formalizados e contribuir com todos os tributos cobrados nas esferas municipal, estadual e federal. Gente que quer acabar com as emendas de feriado e com as matadas de sexta-feiras à tarde, parar com esse negócio de começar a aproveitar o fim de semana na casa de campo ou de praia ainda antes do sábado de manhã. Gente que quer revogar o hábito da semana inglesa para que se adote apenas o descanso do domingo, que afinal é dia do Senhor, mas que o senhor, gentilmente, estende aos seus subordinados.

É de cair o queixo essa manifestação calorosa de buzinas verbalizando cavalos-vapores de carros caros cheios de gente branca manifestando-se nos bancos de couro desta maravilhosa máquina que moldou a economia global do século XX, o automóvel. A fabricação de automóveis desenhou a linha de montagem e definiu a classe média, criando o famoso paradigma fordista. Automóvel. Fordismo. Século XX. Será que lhes ocorre termos como sociedade da informação? Chip? Economia compartilhada? Nomadismo digital? Ou, sei lá, talvez algo mais simplório… tipo, patinete?

De dentro dos carros, os manifestantes estão expressando seu desejo e exercendo seu direito. Convidá-los-ia (esta mesóclise é uma homenagem a Michel Temer, é importante nunca esquecer que Michel Temer foi presidente deste país, onde a história acontece como tragédia e depois como farsa e teima em querer acontecer mais uma vez, sabe-se-lá em que registro), mas, dizia eu, convidá-los-ia, aos manifestantes motorizados, a apearem-se de seus cavalos mecanizados e confraternizarem-se aos abraços nas praças, compartilharem copos de cerveja gelada, brindarem a chegada deste país, finalmente, ao dia em que poder trabalhar tornou-se tão importante que mereceu uma manifestação. Convidá-los-ia a partilharem irmanados a alegria de um gol nas arquibancadas padrão-Fifa dos nossos estádios de futebol, braço com braço, mão com mão, perdigotos pulando aos gritos de euforia. Convidá-los-ia, enfim, a verdadeiramente comemorarem essa alegria.

Mas não, não havia alegria. A cena que vi do vídeo de Curitiba mostrava motoristas e passageiros carrancudos, de cenhos franzidos. Não havia alegria.

A imagem de Balneário Camboriú, ao menos, é linda: uma tomada aérea noturna da longa fila de luzes brancas serpenteando pela bela avenida da orla. Vazia.

Vazia de tudo…

Cheia de nada…

Convidá-los-não-ei a nada.

Fiquem em seus carros.

Voltem com seus carros para suas garagens e das suas garagens para suas casas.

Não contaminem-se com o coronavírus.

Nem contaminem com seu obscurantovírus.

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Atualização em 29/3/2020: o Governado de Santa Catarina voltou atrás na medida de relaxar a quarentena.

https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2020/03/governo-de-santa-catarina-volta-atras-em-plano-de-reabertura-do-comercio.shtml

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