01/11/22 em Para ler

O pai dos burros

Era assim que meu avô chamava o dicionário.

Meu avô era um sábio. Com pouco estudo formal, soube aproveitar o cartório de registro civil que era do pai dele para se informar nas conversas e nos livros e jornais que por ali circulavam. O Estado de S. Paulo era o preferido, e o foi até o fim da vida. Socrático, sabia que nada sabia, por isso lia, perguntava, conversava e valorizava os estudos que enxergava nos outros, com quem sempre aprendia. Com esta mesma postura, tinha sempre à mão um dicionário Aurélio, ao qual recorria dizendo que precisa consultar o pai dos burros. Seu dicionário era encapado com papel pardo, com uma trova de Cornélio Penna escrita à mão, caneta de tinta azul: Não fique aguardando o tempo / todo o tempo vai se embora / na criação que se faça / o tempo chama-se agora.

Além do meu avô, na minha casa, por decisão dos meus pais, havia dicionários, no plural mesmo. Havia o Aurélio – em tamanho grande, o Aurélião, que ficava na estante, e em tamanho mini, o  Aurélinho, que era levado para a escola, na mochila dos materiais de sala de aula. Havia ainda um dicionário em seis volumes editado pela Academia Brasileira de Letras, preparado pelo Antenor Nascentes; lindo, ficava na estante da sala de estar, eu o folheava em sessões à tarde. E, como casa de professora de língua portuguesa que se preze, havia o Caldas Aulete em cinco volumes, capa dura azul marinho; este era a palavra final, lá em casa ninguém desbancava o Aulete, creio que ele só perdeu mesmo para o tempo, que o deixou desencadernado. E um outro ainda, que confesso nunca tirei da estante, o Soares Amora. Com essa oferta de dicionários, era comum meu pai mandar a gente pegar o Aurélio quando perguntávamos o que significava uma certa palavra.

Essa convivência com dicionários me despertou um grande apreço por eles. São meus livros favoritos. Tenho dicionários de Economia, de Filosofia, de Filósofos, de Rimas, até um de termos médicos eu tive, quando trabalhava com traduções.

E o meu favorito é o Houaiss, Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Ganhei de presente da minha mãe logo que ele foi lançado. Lembro do momento da compra, na loja da Fnac de Pinheiros, em São Paulo, que existiu onde havia sido o Shopping Cultural Ática – nenhuma das duas existem mais…

O Houaiss havia acabado de ser lançado e trazia novidades em relação ao Aurélio, como data de entrada do vocábulo no léxico, etimologia, sinônimos e antônimos; uma capa de tecido deliciosa; folhas em papel-bíblia finíssimo. É um livro de mesa.  Eu o tenho na minha mesa, ao lado do computador. Mas gostaria mesmo de tê-lo numa mesa ao lado da minha, especial para ele, onde eu poderia consultá-lo girando a cadeira.

São quase 3000 páginas e 3 quilos de pura sabedoria! Não foi fácil segurá-lo para a foto.

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