01/11/22 em Para ler

Cara de um, focinho do outro

A ser verdade o que agora é publicado pelo site The Intercept, chegamos ao fim da linha: para se cumprir a lei, desrespeita-se a lei. Pode fechar tudo e alugar o Brasil.

Durante quase todo o período de Lava Jato, não foram poucos os entendidos nas questões jurídicas que alertaram para os excessos dos doutores, que estariam agindo ao arrepio da lei – ou no ‘limite da responsabilidade’, para usar um eufemismo que ficou conhecido durante a privatização do sistema Telebrás no governo FHC. Mas como aqueles doutores estavam prendendo outros doutores, a patuléia fazia as vezes de platéia e aplaudia entusiasmada. Senadores, empreiteiros, deputados, diretores da Petrobrás, governadores, doleiros, empresários, enfim, todos aqueles que o frentista e o porteiro tratam por ‘doutor’; era chegada a hora de esse “povo”  pagar pelos malfeitos com o dinheiro do povo. E o povo aplaudiu. E delirou quando enfim um ex-presidente da república foi preso. Era o ápice da glória para a sempre criticada Justiça brasileira: ia em cana o maior chefe do “povo” que espoliava o povo.

Mas acontece que estamos vendo o que sempre vimos: os grandes operadores operando para que as suas operações continuem operantes. Márcio Thomaz Bastos foi o Ministro da Justiça que empoderou a Polícia Federal e logo em seguida era chamado de God pelos advogados de defesa dos empreiteiros acusados. E antes dele e depois dele os exemplos estão aí, na imprensa e nos livros de história, basta buscar que eles aparecem a mancheias (sempre quis caetanear, consegui!)

Outro sinal de que o Brasil continua sendo o Brasil é o sucesso dos comentários sobre a deportação do jornalista que dirige o site aqui no país. Tal e qual, em 2004, comentou-se sobre a revogação do visto do jornalista americano que escreveu que Lula bebia muito. Esquerda, direita… farinhas do mesmo saco?

Sim e não, mas mais sim do que não. E o que mais me faz acreditar que estas duas pontas se igualam é que nenhuma delas enxerga isso.

E, só para não dizer que não falei, falo agora: Lula e Bolsonaro não são parecidos, mas seus defensores empedernidos acabam sendo.

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Escrevi o texto acima uns dois dias trás e o deixei dormindo, porque estava sem nenhuma vontade de publicar algo sobre o governo ou sobre a política. Não precisei de muito esforço para não publicar, porque ando mesmo enfadado, diria até enfastiado, com este tema. Mas, porém, contudo, todavia, no entanto…

Eu quase me motivei a escrever sobre a monumental besteira do Presidente Bolsonaro em confundir enquete com pesquisa, quando ele anunciou numa live de Facebook que deixaria uma ‘pesquisa’ (uso aqui o termo dele, apesar de estar errado) na sua página para saber o que as pessoas pensam sobre radares e multas de trânsito. O presidente não sabe (características dos ignorantes, que apenas não sabem, mas podem vir a saber), e dá claras demonstrações de que não quer saber (características dos burros, que não querem aprender – e cabe aqui o respeito ao muar quadrúpede, incansável trabalhador), a diferença entre uma pesquisa e uma enquete. Enquete é uma coleta de dados sem cuidados estatísticos cujos resultados não representam a população. Pesquisa é uma coleta de dados com base em estatística e probabilidade cujos resultados são representativos da população, conforme os critérios estabelecidos por estas duas aplicações da matemática, a estatística e a probabilidade. Resumindo: enquete é opinião, pesquisa é ciência. Este governo vive da opinião e bate na ciência. Isso já sabemos.

E nova prova surgiu hoje. Um questionário de recrutamento para o DNIT, órgão dos transportes, pede a opinião dos candidatos ao emprego sobre ações do governo. É exatamente a mesma aplicação ideológica que este governo critica nos anteriores. Talvez não devamos esperar que o governo atual entenda o que significa a palavra ideologia. Ainda assim, é mais uma prova do quanto os espectros ideológicos que se dizem opostos são a mesma coisa. Atos de um são como atos de outro. Mas como enxergam isso quando a visão está embotada de ideologia e as ações embasadas apenas na opinião, dando as costas para a ciência?

PS: captei a foto que ilustra o post na matéria da Folha de S. Paulo, aqui: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/06/questionario-para-contratacao-em-orgao-federal-pede-opiniao-sobre-bolsonaro.shtml

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