01/12/22 em Para ler
30 anos do Muro de Berlim – 9/11/1989
O professor de história geral entrou na sala de aula e lançou uma pergunta para a classe.
Não era qualquer professor, era o Ciro. Já vinha com nome real, e na época em que estudávamos história geral não era muito difícil lembrar que houve um Ciro na Pérsia que havia erigido o maior império até então conhecido e liberado os judeus do Cativeiro da Babilônia. Para além do nome, havia o porte, sempre ereto e formal; comentava-se que era professor do curso de formação dos oficiais da Polícia Militar, e mesmo se não fosse, mas parece que era mesmo, trazia para a nossa sala de aula a disciplina que aplicava lá. Lembro que implicava com um aluno de nome Jamal, que tinha o mesmo nome de Nasser, presidente egípcio que fez as guerras do Canal de Suez e dos Seis Dias, mas não lembro qual era a implicância com o nosso Jamal. E além do nome e do porte, era um bom professor, dava uma boa aula, conduzia bem a atenção dos alunos durante o tempo que tinha e desenhava mapas como nunca eu havia antes nem voltei a ver depois. Talvez os mapas não fossem precisos, mas apresentavam a forma geral dos países ou continentes e eram tão recortados que só podiam estar corretos.
Então o Ciro entrou na sala de aula e fez aquela pergunta à turma de alunos.
Uma turma de alunos de cursinho pré-vestibular, na manhã de uma sexta-feira de novembro, já chegando perto das datas dos principais exames de primeira fase, alguns alunos ainda com caras de sono, outros pilhados com a energia dos 19, 20 anos. Uma sala de aula apertada, a porta nos fundos por onde entrava o professor que serpenteava por entre as carteiras de um braço só, até chegar ao pequeno degrau paralelo ao quadro-negro. Janelas fechadas, obrigatoriamente fechadas, o cursinho ficava numa esquina da Rua da Consolação com seu corredor de ônibus subindo para a Paulista e descendo para a República. Havia ar condicionado? Não me lembro…
Lembro que o professor Ciro entrou na sala, zigue-zagueou até a frente e antes de desenhar o mapa que ilustraria a aula do dia, perguntou: “vocês sabem o que aconteceu essa noite, não sabem?” Ninguém sabia… havia acontecido a partir do começo da noite e varou a madrugada, os dias, as semanas, os meses e os anos seguintes, colocando um ponto final no breve século XX.
“Caiu o Muro de Berlim, essa noite, de ontem pra hoje.” Na nossa sala de aula, era a manhã do dia dez de novembro de mil, novecentos e oitenta e nove. Caía o Muro por um engano na comunicação de uma decisão de militares alemães orientais em abrir a fronteira. Já pressionados pela abertura política e econômica que Mikhail Gorbachov implementava na URSS, com influência enorme em toda a Cortina de Ferro, os guardas das passagens pelo Muro receberiam, na manhã do dia 10/11/1989, uma ordem para deixar cidadãos passarem livremente entre os lados oriental e ocidental. Era um momento em que muitos alemães orientais fugiam do país por suas outras fronteiras. Quando o governo alemão oriental reunião a imprensa para comunicar uma série de medidas que facilitariam o trânsito entre as duas Alemanha, algo deu errado na comunicação, a notícia vazou antes da hora, as pessoas foram para os pontos de passagem ao longo do Muro e tudo virou celebração.
Já vivíamos na era das telecomunicações, mas ainda não vivíamos a era da internet. Demorou uma noite para nós, alunos de um cursinho elitizado da maior cidade do país, sabermos o que tinha acontecido. E soubemos pela boca do professor de história geral, que dava a primeira aula daquela sexta-feira.
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Neste link, uma matéria da Folha de S. Paulo de hoje sobre a confusão do anúncio: https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2019/11/o-anuncio-foi-um-erro-diz-autor-da-questao-decisiva-para-queda-do-muro.shtml