01/12/22 em Para ler
A FIESP e a Revolução Chinesa
Então a FIESP cobriu seu prédio com a bandeira da China para homenagear os 70 anos da Revolução Chinesa. Curioso, pra dizer o mínimo.
A alegação é que a China é um grande parceiro comercial e por aí vai. Tá ok, diria o Jair, mas homenagear a revolução comunista, tem que rever isso aí, diria o mesmo Jair.
A FIESP erra e erra feio. Primeiro, porque a FIESP pode lamber as botas chinesas que não vai vender nem um grampo de cabelo para a China, muito antes pelo contrário. Aliás, não precisa nem sair do próprio prédio, certamente tem alguém dentro daquela estranha pirâmide meio-asteca usando, hoje, uma calçado chinês, o que facilitaria muito a lambida. Se alguma entidade deveria homenagear a China, seria a Confederação Nacional da Agricultura, ou o sindicato das mineradoras, ou a FIEMG. Mas com a vergonha das represas estouradas da Vale e da Vale, as mineradoras não estão fazendo muito barulho.
A FIESP ainda é aquele sindicatão cujo presidente Mario Amato disse, em 1989, que 800.000 empresários deixariam o Brasil caso Lula ganhasse a eleição. Lula era candidato do PT, empunhava uma bandeira vermelha, tal como a da China que nesta semana cobriu a pirâmide da Paulista. Homenagear a Revolução Chinesa hoje não significa que a FIESP se modernizou. Significa que a FIESP não sabe o que fazer para voltar a ter a importância de antes, quando era ainda uma voz da indústria. A FIESP é tão só um sindicato a fazer política, e nem seu presidente é ainda um industrial.
A Revolução Chinesa não é um marco do capitalismo nem do poderio econômico da China de hoje. A China de hoje é resultado de um processo iniciado depois que Mao Tsé-Tung morreu. Mao, o Grande Timoneiro, conduziu um dos lados de uma guerra civil nos anos 1940 e foi responsável por matar gente, muita gente, de bala ou de fome. Mao fez a Revolução Cultural, uma brutal caçada ideológica a quem pensava diferente do que mandava o Partido.
A China era tão pobre, mas tão pobre, que o compositor Castro Barbosa, parceiro de Lamartine Babo em O teu cabelo não nega, chegou a escrever o verso “chinês / come somente uma vez por mês” na marchinha Lig-lig-lé, em 1936. Chinês não tinha mesmo o que comer. E a Revolução Cultural piorou essa situação.
O que a FIESP poderia ter homenageado neste 2019 eram os 30 anos do Protesto da Paz Celestial, quando os jovens chineses tomaram a praça de Pequim para protestar contra o governo, cujo processo de abertura permitia apenas avanços econômicos. Mas aí seria comprar briga séria, pois a China é praticamente uma ditadura onde manda quem pode e obedece quem tem juízo e quem depende das suas compras (nós, por exemplo).
A foto icônica deste protesto correu o mundo e ganhou o título de “O Rebelde Desconhecido”. Pouco se sabe o que aconteceu com o rapaz que parou a coluna de tanques. Ele sumiu. Óbvio.
Este protesto aconteceu em 5 de junho de 1989, na véspera do 45o. aniversário do Dia D, o desembarque das tropas aliadas na costa da Normandia, que encaminhou a vitória aliada na Segunda Guerra Mundial. Cerca de duas semanas após, eu estava num vôo da falida Varig de Los Angeles para São Paulo, com conexão no Rio de Janeiro. Nas poltronas da fileira da minha frente, uma família de orientais. Durante todo o vôo, me chamou a atenção a expressão preocupada e amedrontada deles. Mal comeram. Quando o avião pousou no Rio de Janeiro, o homem se levantou e me perguntou, de modo quase incompreensível: São Paulo? Eu disse que não, e perguntei se ele falava inglês. Ele não falava. E não falou mais nada. Desembarcaram em São Paulo. No meio da festa que foi o meu reencontro com a minha família, nem me lembrei da família. Até hoje me pergunto se não seria o rebelde desconhecido.