01/12/22 em Para ler
O que fala o Presidente?
A revista piauí pode ser percebida como um paradoxo: foi criada por um banqueiro mas tem aquele jeitão que os brasileiros chamariam de comunista. É uma ótima revista, talvez o melhor texto e uma das melhores pautas da imprensa nacional atualmente. No seu site a revista lançou uma seção muito curiosa, chamada Bolsonário e dedicada a contar os termos utilizados pelo presidente Jair Bolsonaro.
O que a revista fez foi muito simples: transcreveu integralmente as 73 entrevistas, individuais ou coletivas, do presidente e contou palavras.
Abaixo, a lista que a piauí fez, com a quantidade de menções:
Venezuela | 66 |
Cuba | 66 |
EUA | 62 |
China | 62 |
Deus | 54 |
Isso aí | 51 |
Paulo Guedes | 47 |
Sério Moro | 38 |
Tá ok | 37 |
Rodrigo Maia | 36 |
Donald Trump | 31 |
Arma | 21 |
PT | 20 |
Eduardo Bolsonaro | 8 |
Paz | 3 |
Direitos humanos | 3 |
Flavio Bolsonaro | 2 |
PSL | 2 |
Nióbio | 2 |
Cocô | 2 |
Carlos Bolsonaro | 0 |
E agora, uma segunda lista, mais enxuta, que eu mesmo fiz:
Brasil | 492 |
Militar | 39 |
Exército | 37 |
Israel | 32 |
Emprego | 25 |
Educação | 20 |
Forças Armadas | 18 |
Garoto | 9 |
Ciência | 9 |
Desemprego | 7 |
Fome | 4 |
Cultura | 3 |
Aeronáutica | 3 |
Marinha | 3 |
Crescimento | 0 |
Analisando os termos citados e quantificados acima, o que mais chama a atenção é que o nosso presidente é conhecido pelo bordão “tá ok” mas o que ele mais usou nas entrevistas foi o “isso aí”, ambos clássicas muletas da comunicação oral.
Outro aspecto é que Bolsonaro citou muito o Brasil, mas citou mais países que ele costuma espinafrar (Venezuela e Cuba) do que países com os quais ele pretende se irmanar (EUA, China e Israel). Isso mostra falas mais negativas do que propositivas, mais de desconstrução do que de construção. Isso vale também para o fato de o presidente cita mais, dez vezes mais, o partido opositor (PT) do que o seu próprio partido (PSL). Afinal, o PSL veio para mudar isso aí ou não?
A mesma linha fica clara quando o presidente usa mais o termos militares (arma, militar, exército e forças armadas) do que os termos humanitários (paz e direitos humanos).
O presidente citou pouco os filhos, e nenhuma vez citou o filho Carlos nominalmente, embora o tenha citado 3 vezes com o aposto de ‘garoto’, usado também para Eduardo. Garoto foi um termo mais citado do que ciência, do que desemprego, do que fome, do que cultura. Os ‘garotos’ são, obviamente, mais importantes do que tudo isso aí.
A palavra crescimento não aparece na transcrição das 73 entrevistas, em nenhum momento.
E o nióbio, que foi tão elogiado como sendo o novo pré-sal, foi mencionado tantas vezes quanto o cocô: duas vezes cada. Pouco nióbio? Muito cocô?
O assunto rende, e a revista pretende fazer o mesmo com o conteúdo das lives, esse modelo virtual que o presidente instituiu como comunicação oficial. O que fica, para mim, é já um forte indicativo do que podemos ter neste governo: pura destruição do que foi feito antes, fundamentada em profunda ideologia, sem noção clara nem cientificamente embasada do que colocar no lugar. Pelo que se depreende do discurso, o objetivo é um só: tem que mudar isso aí.
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Para quem se interessar, o link da matéria original está aí abaixo e nele há outro link que contém a transcrição integral de todas as entrevistas concedidas. Trabalho sério! https://piaui.folha.uol.com.br/bolsonario-entrevistas/